sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O caminho do meio


1. Aqueles que estão trilhando o caminho da Iluminação devem evitar os dois extremos. Primeiro, o extremo da indulgencia para com os desejos do corpo. Segundo, o extremo oposto que os leva a renunciar esta vida, praticar a disciplina ascética e torturar, sem razão alguma, seus corpos e mentes.

O Nobre Caminho, que transcende estes dois extremos e conduz à Iluminação, à sabedoria e à paz da mente, pode ser chamado de o Caminho do Meio? Consiste ele de Oito Caminhos Nobres, a saber: Percepção correta, pensamento correto, fala correta, comportamento correto, meio de vida correto, empenho correto, atenção correta e concentração espiritual correta.

Como já foi dito, todas as coisas aparecem ou desaparecem motivadas por uma infindável série de causas. Os néscios consideram a vida como existência ou nãoexistência, mas os sábios a consideram como algo que transcende a existência e a nãoexistência; este é um procedimento do Caminho do Meio.

2. Suponhamos uma tora flutuando num rio. Se ela não encalhar, não afundar, não for retirada por um homem ou não se apodrecer, alcançará certamente o mar. A vida é como esta tora apanhada pela corrente de um grande rio. Se uma pessoa não se apegarse à vida de auto indulgencia ou, renunciando a esta vida, não se dedicar à vida de autotortura, se não se envaidecer com suas virtudes ou não se apegar aos seus maus atos; se na busca da Iluminação souber respeitar a delusão e não temer; esta pessoa estará trilhando o Caminho do Meio.

O importante, quando se está seguindo o caminho da Iluminação, é evitar ser apanhado e envolvido por um dos extremos, e seguir sempre o Caminho do Meio.

Sabendo-se que as coisas nem existem e nem são não-existentes, lembrando-se da natureza onírica de tudo, deve-se evitar todo o orgulho pessoal ou a exaltação dos bons atos, ou ainda, ser apanhado e envolvido por toda e qualquer coisa mais.

Para se evitar ser apanhado pela corrente dos desejos, deve-se aprender, desde o princípio, a não se aferrar às coisas, a fim de que não se acostume nem se apegue à elas. Não se deve apegar nem à existência nem à não-existência, nem a qualquer coisa interior ou exterior, nem às boas como às más coisas, nem ao certo nem ao errado.

A vida de ilusão começará a partir do momento em que houver apego às coisas. Aquele que está seguindo o Nobre Caminho para a Iluminação não deve nutrir tristes recordações daquilo que passou, nem deve antegozar o futuro, deve, isto sim, com uma mente justa e tranqüila, acolher aquilo que vier.

3. A Iluminação não possui forma ou natureza definidas, com as quais ela pode se manifestar, porque na própria Iluminação não há nada a ser esclarecido.

A Iluminação existe unicamente porque existem a ilusão e a ignorância, se elas desaparecerem, a Iluminação também desaparecerá. O oposto é verdadeiro, isto é, a ilusão e a ignorância existem porque existe a Iluminação; quando cessar a Iluminação, a ignorância e a delusão também cessarão.

Portanto, não considerem a Iluminação como uma “coisa” a ser aferrada, a fim de que ela não se torne também um impecilho. Quando uma mente anuviada se ilumina, as trevas desaparecem e com elas a “coisa” a que chamamos Iluminação também deixa de existir.

Se os homens desejam e se apegam à Iluminação, isto significa que eles ainda alimentam a delusão; aqueles, portanto, que estiverem trilhando o caminho da Iluminação não deverão a ela se apegar, e, uma vez alcançada a Iluminação, nela não mais deverão pensar.

Quando se atingir, de fato, a Iluminação, poder-se-á ver que tudo encerra, em si mesmo, uma Iluminação; portanto, deve-se seguir o caminho da Iluminação até que se conclua que as paixões mundanas são, em si mesmas, Iluminação.

4. Este conceito da unidade universal - que as coisas, em sua natureza essencial, não possuem marcas distintas - é chamado de “Sunyata”. Por sunyata entende-se a não substancialidade, a não existência, algo que não tem natureza própria nem dualidade. Pelo fato de as coisas não possuírem, em si mesmas, nenhuma forma ou características, é que podemos dizer que as coisas não nascem nem se destroem. Nada existe na
natureza essencial as coisas que possa ser descrito em termos de discriminação; eis porque as coisas são consideradas não substanciais.

Como já foi mencionado, todas as coisas aparecem e desaparecem pelo concurso das causas e condições. Nada existe inteiramente só; tudo se interelaciona.

Onde há luz, há sombra; onde há extensão, há pequenez, onde há branco, há preto. Como estas oposições, a própria natureza das coisas não pode existir sozinha, eis porque as coisas são chamadas de não substanciais ou sunyata.

Conclui-se, pois, que a Iluminação não pode existir à parte da ignorância, nem a ignorância, à parte da Iluminação. Se as coisas não se diferenciam em sua natureza essencial, como pode haver dualidade?

5. Os homens, habitualmente, relacionam-se a si mesmos e a tudo com o nascimento e a morte, mas, na realidade, não há tais concepções. 

Quando os homens compreenderem, esta verdade, aperceber-se-ão da verdade da não dualidade: do nascimento e da morte.

Os homens, porque nutrem a idéia de um ego, apegam-se à idéia de posse; mas, como não há um “eu”, não pode haver um meu”, se puderem compreender esta verdade, poderão, então, compreender a verdade da não dualidade.

Os homens fazem a distinção entre pureza e impureza, mas na natureza das coisas, não existe tal distinção, eles a criam, levados pelas falsas e absurdas imaginações.

Da mesma maneira, não pode haver distinção entre o bem e o mal, pois não há nenhum bem ou mal existindo separadamente. Aqueles que estiverem trilhando o caminho da Iluminação deverão reconhecer esta não dualidade, a fim de que não sejam levados a louvar o bem e a condenar o mal, ou a desprezar o bem e indultar o mal.

Os homens temem, naturalmente, o infortúnio e almejam a felicidade; mas, se estudarmos cuidadosamente esta distinção, verificaremos que o infortúnio, muitas vezes, se torna felicidade e que a ventura se torna infelicidade. O sábio aprende a encarar as cambiantes circunstancias da vida, com uma mente imparcial, não se exaltando com o sucesso nem se deprimindo com o fracasso. Assim se compreende o princípio da não dualidade.

Todas estas palavras que expressam relações de dualidade como a existência e não existência, paixões mundanas e verdadeiro conhecimento, pureza e impureza, o bem e o mal - todos estes termos de contrastes não são expressos nem conhecidos em sua verdadeira natureza. Se os homens se afastarem destas palavras e das ilusões por elas causadas, poderão compreender a verdade universal de Sunyata.

6. A pura e fragrante flor de lótus desenvolve-se melhor na lama de um pântano do que num terreno limpo e firme; da mesma maneira, a pura Iluminação de Buda surge do lodo das paixões mundanas. Assim, mesmo os mais absurdos pontos de vista e as ilusões das paixões mundanas podem ser as sementes da Iluminação de Buda.

Assim como um mergulhador, para garantir suas pérolas, deve descer ao fundo do mar e arrastar todos os perigos que lhe oferecem os pontiagudos corais e os malévolos tubarões, o homem deve enfrentar os perigos da paixão mundana, se ele quiser obter a preciosa pérola da Iluminação. Primeiro ele deve estar perdido entre os íngremes penhascos do egoísmo e do amor próprio, para depois sentir o desejo de procurar um caminho que o leve à Iluminação.

Um a lenda nos dá conta de que um eremita, que tinha grande desejo de encontrar o verdadeiro caminho, escalou uma montanha de espadas, jogou-se em uma fogueira, a elas sobrevivendo por causa de sua grande fé. Aqueles, pois, que estão arrostando os perigos do caminho encontrarão uma fresca e suave brisa soprando nas escarpadas montanhas do egoísmo e entre os fogos do ódio e, por fim, compreenderão que o egoísmo e as paixões mundanas, contra os quais lutou e sofreu, são a própria Iluminação.

7. O ensinamento de Buda nos conduz do conceito discriminador entre dois pontos de vista conflitantes à não dualidade. Será , portanto, um erro os homens buscarem uma coisa tida supostamente como boa e certa, e evitar outra supostamente iníqua e nociva.

Aquele que insiste em afirmar que tudo é vazio e transitório incorre em erro, assim como errará aquele que insistir em afirmar que todas as coisas são reais e imutáveis. O apego ao ego, fonte do descontentamento e sofrimento, é um erro, assim como o é a crença na não existência do ego; tudo isso é inútil para aquele que pratica o caminho da Verdade. A afirmação de que tudo é sofrimento é um erro; assim como será a afirmação de que tudo é felicidade. Buda ensina o Caminho do Meio, onde a dualidade se funde em unidade, e que transcende estes conceitos extremados.

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